domingo, 14 de outubro de 2012

Mallarnotas de Mar Becker para a Nota Marginal nº 67, de Nuno Rau

Foto de Gilbert Garcin



NOTAS MARGINAIS
67.
Fechar as janelas da casa, por dentro,
e rebocar
com aspereza a mesma superfície em que ontem
havia um vão, e quando a vontade
de sair asfixiá-lo, lançar-se
contra os pregos que ameaçam
a carne -  as pontas indicando uma vertigem
insuportável - até
rasgar o coração de onde escapavam
mitos, um após outro, e não falar,
nem que todas as manhãs despetaladas escorram
lábio afora,
intermináveis, enquanto
você
espera.
***
MALLARNOTAS
i.
Massacre íntimo.

Os espelhos fundam um lugar de desolação no poema.
Não, não dizem nada.

O homem diante do espelho diz.

Às escuras, com um pássaro que alguém lhe vendeu clandestinamente, em cem prestações,
(a dívida não acaba nunca),
a desolação funda um lugar de poema no homem.

A palavra se debate
na gaiola.
ii.
O homem na verdade contempla os espelhos de sua própria cegueira.
A garganta se ergue da escuridão.
Que ironia no cego existir uma antinascente de rios. Que tristeza.
Conta-se que por ali os mitos passam, “um após o outro”.
iii.
Sei que há gargantas que se fecham a vácuo. Não me lembro de ter ouvido alguém prometer que seria possível encontrar as portas do exílio.
O outro no espelho
espera.

Parece que viajou até lá clandestinamente, às escuras.
Com todas as dívidas nas costas.
iv.
As janelas da casa também foram fechadas. “Rebocar / com aspereza a mesma superfície em que ontem / havia um vão”. Veja bem, nenhuma saída. Porque no poema não se pode falar, “nem que todas as manhãs despetaladas escorram / lábio afora”.


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As Mallarnotas da poeta Mar Becker me trouxeram uma alegria intensa, pelo diálogo tão próximo que travaram com uma das Notas Marginais, se entremeando em seus vãos, preenchendo seus abismos.
Me reconheci nos seus versos, como se tivesse escrito cada letra, e ao mesmo tempo reconhecendo sua alteridade afirmativamente serena, como se um espelho ao mesmo tempo que me reproduzisse a imagem, me respondesse com seus gestos próprios e, com certeza, mais bonitos.
Leia também na revista  Mallarmargens

E visite o blog de Mar Becker! A viagem é imperdível. .

sábado, 13 de outubro de 2012

ACREDITE SE QUISER (um sonetinho de circunstância)

Mão com globo, de Escher





Ela pode não ser quem você pensa,
o seu vizinho, o jornaleiro pode
não ser quem você pensa, talvez só de
leve por dentro leve o que aparenta
a custo (enquanto tudo o que devora
o coração grita), o motorista
da van que no engarrafamento arrisca
a contramão, o bêbado que mora
na rua (a circunstância é um deserto
que cobre tudo ou é o deserto a via
única e incontornável a seus pés?),
e até você aí lendo estes versos,
encare o espelho agora e desafie
o que vê: quem você pensa que é?


(em itálico, sampler do poema "Mal Secreto", de Raimundo Corrêa) 

Leia também na Revista Mallarmargens.

domingo, 16 de setembro de 2012

década

(Distopia - fotografitti, por Nuno Rau)



Se você tem, de fato, algo a escrever
sobre o tempo, perceba que ainda uma outra
vez ele passou de vez sem que você
soubesse que a chance de dizer as poucas
coisas que parecem claras, na esperança
vaga de que tais palavras sustentadas
pelo poema possam, na sua dança,
tatuar em outro corpo a mesma marca,
está perdida: o mundo segue algum
desvio, desesperos portáteis, vãos,
gomorras sem o olhar de um deus, distopia
e corrosão do século vinte e um,
dessublimações, falsa anunciação
que lhe afunda em soul, sexo e melancolia.
(leia também na revista Mallarmargens)

sábado, 8 de setembro de 2012

o poeta do Castelo - Manuel Bandeira



Documentário sobre Manuel Bandeira, feito em 1959, no Rio de Janeiro.



Gênero: Documentário
Diretor: Joaquim Pedro de Andrade
Elenco: Manuel Bandeira
Ano: 1959
Duração: 10 min
Cor: P&B
Bitola: 35mm
País: Brasil

concerto

(Pierrete, tela de Di Cavalcanti, 1922)




ela me sorri  como se nada, longos
cabelos, crina onde se encrespa
o meu desejo no delírio de morfina
das imagens da natureza, ela parece
não sentir a vertigem de tudo,
ao fundo a gravura de um adolescente
com asas, partem de seu sexo raios
em todas as direções, não dos olhos
ou do peito, e ainda espreito, mudo,
alguém  que tenha a alma sutil
no cubículo do mundo, na volúpia
dos ardis ela desabilita o sentido
que, desfeito, espera no meio do salto
mortal ser salvo no último segundo
enquanto ela me sorri como se nada

 



[em itálico, samplers do poema Pierrete, de Manuel Bandeira]
(por Nuno Rau)


também em Mallarmargens

retorno ao inferno interminável






você desce ao inferno
de escada rolante e ele está cheio
de meninas louras falando línguas
estranhas, elas
têm bocas que você gostaria
de desejar com qualquer tipo
de sinceridade,
com a pureza que o desejo
esqueceu ao lado do cinzeiro
no motel de quinta da rodovia
quando saiu batido, você erra
pelos corredores do inferno e descobre
mais escadas, mais corredores e não sabe
se são vitrines ou quartos escuros
estas cavernas em que as meninas
exibem sua penugem de água
oxigenada e seus sorrisos
de propaganda enquanto você
se sente a sombra deambulando
na galeria de luzes
feéricas, artificiais e o real segue cifrado
em bits no sistema servidor
central, ligado
por cabos ao caixa, você
não tem nenhum trabalho pra descer
ao inferno, ele se abriu
como um útero quente, como um buraco
molhado e pulsando por onde
seu corpo escorrega, você
está fodido, e ela não tinha
um girassol nas mãos, o girassol
estava escrito no ventre com pétalas
excessivamente amarelas enquanto no ombro
uma petúnia ameaçava
com um perfume doentio o resto
da sua vida e o mundo
girava perdido como um grafitti no meio
daquelas omoplatas.



(por Nuno Rau)


leia também em Mallarmargens

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Os Mulheres Negras 2


Pra quem conhece pouco do som e da proposta d"Os Mulheres Negras, aqui vai um presente. Iguaria pura, ambrosia.