segunda-feira, 6 de setembro de 2010

CANÇÃO À INGLESA (Fernando Pessoa)



Cortei relações com o sol e as estrelas, pus ponto no mundo.
Levei a mochila das coisas que sei para o lado e pro fundo
Fiz a viagem, comprei o inútil, achei o incerto,
E o meu coração é o mesmo que foi, um céu e um deserto.
Falhei no que fui, falhei no que quis, falhei no que soube.
Não tenho já alma que a luz me desperte ou a treva me roube,
Não sou senão náusea, não sou senão cisma, não sou senão ânsia,
Sou uma coisa que fica a uma grande distância
E vou, só porque o meu ser é cômodo e profundo,
Colado como um escarro a uma das rodas do mundo.

domingo, 2 de maio de 2010

descobri que Montaigne também gostava de uma birita, além de saber das coisas.


[...] em sociedade deve prestar atenção a tudo, [...] os primeiros lugares são muitas vezes ocupados pelos menos capazes e o bafejo da sorte quase nunca atinge os competentes. [...] não raro, enquanto conversam à cabeceira da mesa acerca da beleza de uma tapeçaria ou do sabor da malvasia, bons ditos se perdem do outro lado. Terá de sondar o valor de cada um: boiadeiro, pedreiro ou viandante. Cada qual em seu domínio pode revelar-nos coisas interessantes e tudo é útil para nosso governo." (MONTAIGNE. Ensaios I. Cap. XXVI. p. 83. 1580)

do Pessoa...


Não sei que sentido tem esta viagem que fui forçado a fazer, entre uma noite e outra noite, na companhia do universo inteiro. Sei que posso ler para me distrair. [...] e, de vez em quando, ergo os olhos do livro onde estou sentindo verdadeiramente, e vejo, como estrangeiro, a paisagem que foge [...] e tudo isso não é mais para mim do que um episódio do meu repouso, uma distração inerte em que descando os olhos das páginas demasiado lidas.

sábado, 1 de maio de 2010

fragmento


"Encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um".

Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Maiakovsi, em O Poeta Operário


"Nós polimos as almas com lixas de versos."

sexta-feira, 23 de abril de 2010

de um soneto de Tite de Lemos





Diamantes e cinzas, vêm e vão
as cartas que o acaso distribui.
Contudo guardarei só uma, a tua.

(do soneto XLIII – Caderno de Sonetos, Tite de Lemos, 1988)

Diário de Franz Kafka, 21 de junho de 1913


(desenho de Franz Kafka)

O prodigioso mundo que eu tenho na cabeça. Como, entretanto, me libertar e libertá-lo sem me despedaçar? E de preferência ser mil vezes despedaçado do que conservá-lo em mim ou enterrá-lo. Estou aqui para tanto, inteiro-me perfeitamente disso.

(tradução de Torrieri Guimarães)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

labirinto, paraíso


O meu desejo vagou por cada sombra
do labirinto, quer dizer, do paraíso
e se contaminou, riscando
com as unhas mensagens nos muros
até que escorresse o sangue, não sei
se do muro, das letras ou
da pele – se elas sangram não importa
mais, as dores
eram outras e esperavam
congeladas dentro do corpo, bomba
subterrânea que murmura “a qualquer
momento, a qualquer
momento”.

domingo, 11 de abril de 2010

o corpo

o corpo, mas um pouco além
do corpo, o que o inflama na vertigem
dos hormônios (sim, os hormônios
e suas trilhas velozes, milhares de milhas
por dentro através das décadas, sempre
por dentro, ou mais, cada vez
mais rumo a um longínquo centro carregando
no espaço
de cada instante o que se quer dizer
pelo calor da pele), os poços
escuros onde você afunda
a carne, estreitos,
mas aquilo que acende a sua urgência,
sem nome e sem itinerário,
à deriva como estas
linhas, como estar agora
aqui.

sábado, 3 de abril de 2010

"Quanto mais os telescópios forem aperfeiçoados, mais estrelas surgirão." Gustave Flaubert

sábado, 27 de março de 2010

escrito sobre o corpo


leia se puder
o que segue escrito na carne dos dias
são signos sobre signos sobre signos
soterrando o sentido
mas leia
se puder arrancar o que lhe diz respeito
se puder arrancar a luz da floresta
de símbolos
se puder arrancar das linhas do fundo
escuro deste labirinto
desenhado sobre o corpo

não
você não pode ler

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O mercado é madrasta, de Daniel Faria (do blog Lingua Epistolar)

1.
as roldanas haroldianas

(seu sacana, filhodaputa e derridá)

os derrisórios derridianos
os freiráticos freyrianos
o amar marioandradiano

(fodeu a árvore, seu malandro)


o mad max marxiano
a grama gramisciana
a bodurna bourdiana
a foca foucaultiana
o heil heideggeriano

(coçando o queixo qualquer
publicitário vira artista ao passo que eu
claudico sem uma nota de rodapé)



2.

acumulação primitiva de citações:

(meu estilo é cheio de si,
quem escrevi isso aqui?
é meu tudo o que pioneiramente
tive a idéia de copiar,)


3.
o cu do cool do caderno cultural

deleuze me livre!
kafka é uma comida árabe,
cabala é uma boate no rio de janeiro,
drummond é uma estátua sem óculos,
homero foi um cego que nunca existiu,
machado de assis enchia lingüiça
pedro álvares cabral de melo neto era gago
(conforme Sebastião Nunes)

Goethe escreveu um livro chamado Faustão

(“um século de leitores e até o espírito
vai feder”, Nietzsche &
quando eu disser que procuro um amor
leia-se
procuro um tema pra meu novo livro)

para o interior do contra a história oficial
a moderna reflexão da complexa questão
do sim do não talvez como o fio condutor
da poética das fricções do silêncio
do nada do vesgo do vazio
caindo no abismo do indizível.