Nos poemas de Andréia Carvalho Gavita sempre gravitam mitologias - é por essa via que ela se aproxima do mundo e o reinterpreta em sinais. Ou seja, entre você e o mundo, o mito se ergue como a possibilidade do significado. Existem avisos que iludem, como aquele na entrada de Auschiwitz - "Arbeit macht frei" (o trabalho liberta). E os avisos que dizem um caminho, como no pórtico, na antecâmara de seu blog - Hábito Escarlate - está escrito: "o antigo costume de vestir-se com palavras vermelhas e caminhar pelo branco". No antigo templo de Delfos podia-se ler a inscrição: "te advirto, oh tu, que desejas sondar os mistérios da natureza: como esperas encontrar outras excelências se ignoras as excelências de tua própria casa? Em ti está oculto o tesouro dos tesouros. Oh, homem! Conhece-te a ti mesmo, e conhecerás o Universo e os deuses." Daí o vestir-se de palavras vermelhas, tornar-se o rubro, arder e assim desenhar no caminho branco os sentidos possíveis, a partir de si mesma, ligados à vida, reelaborando mitos, redesenhando o existir no mundo talvez em ruínas.
(os dois poemas abaixo podem ser lidos também no blog de Andreia - Hábito Escarlate )
Lingua Ferina
os leões rugem e me mergulho
na órbita daquele aviso
não entrarás
rugidos partem meu escafandro
e me sufoco
no sumo daquela euforia
e me debato
nos átomos de carbono
não acidificarás
e me respiro
entrando
sou um leão alado
no dorso
pêlo cio de archotes
lança chama,
a cabeleira neutra
imersa no vôo que me ruge
escrevo
uma vírgula
insurreta
pendente da boca do felino
Screen Saver
a mãe
esverdeada
apagava a luz
com seu parto escuro
na trava das portas
aguardava
temor-esperança
a dança dos espectros
abaixo da cama
a infância perpétua
os entes sem avós,
sem batismo, sem eu
o mar de campânulas
com seres de lugar nenhum
soava dentro da harmonia negra
abafando a metálica
voz
da catedral
sempre exorcizada
mãe, fantasmas,
e o combustível
do espetacular
no limbo do sono reparador
o dia, apenas uma metáfora luminosa
no olho do grito fechado
3 comentários:
Amei tudo!!!
Que beleza, não é, Ana Cau?
Vale visitar tbm o blog da Andréia.
Sem moderação.
:)
Obrigado pela presença em meu bangalô virtual...
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