Foto de Gilbert Garcin
NOTAS MARGINAIS
(Nuno Rau)
67.
Fechar as janelas da casa, por dentro,
e rebocar
com aspereza a mesma superfície em que ontem
havia um vão, e quando a vontade
de sair asfixiá-lo, lançar-se
contra os pregos que ameaçam
a carne - as pontas indicando
uma vertigem
insuportável - até
rasgar o coração de onde escapavam
mitos, um após outro, e não falar,
nem que todas as manhãs despetaladas escorram
lábio afora,
intermináveis, enquanto
você
espera.
***
MALLARNOTAS
i.
Massacre íntimo.
Os espelhos fundam um lugar de desolação no poema.
Não, não dizem nada.
Os espelhos fundam um lugar de desolação no poema.
Não, não dizem nada.
O homem diante do espelho diz.
Às escuras, com um pássaro que alguém lhe vendeu clandestinamente, em cem prestações,
(a dívida não acaba nunca),
a desolação funda um lugar de poema no homem.
A palavra se debate
na gaiola.
ii.
O homem na verdade contempla os espelhos de sua
própria cegueira.
A garganta se ergue da escuridão.
Que ironia no cego existir uma antinascente de rios.
Que tristeza.
Conta-se que por ali os mitos passam, “um após o
outro”.
iii.
Sei que há gargantas que se fecham a vácuo. Não me
lembro de ter ouvido alguém prometer que seria possível encontrar as portas do
exílio.
O outro no espelho
espera.
Parece que viajou até lá clandestinamente, às escuras.
espera.
Parece que viajou até lá clandestinamente, às escuras.
Com todas as dívidas nas costas.
iv.
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As Mallarnotas da poeta Mar Becker me trouxeram uma alegria intensa, pelo diálogo tão próximo que travaram com uma das Notas Marginais, se entremeando em seus vãos, preenchendo seus abismos.
Me reconheci nos seus versos, como se tivesse escrito cada letra, e ao mesmo tempo reconhecendo sua alteridade afirmativamente serena, como se um espelho ao mesmo tempo que me reproduzisse a imagem, me respondesse com seus gestos próprios e, com certeza, mais bonitos.
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