domingo, 16 de setembro de 2012

década

(Distopia - fotografitti, por Nuno Rau)



Se você tem, de fato, algo a escrever
sobre o tempo, perceba que ainda uma outra
vez ele passou de vez sem que você
soubesse que a chance de dizer as poucas
coisas que parecem claras, na esperança
vaga de que tais palavras sustentadas
pelo poema possam, na sua dança,
tatuar em outro corpo a mesma marca,
está perdida: o mundo segue algum
desvio, desesperos portáteis, vãos,
gomorras sem o olhar de um deus, distopia
e corrosão do século vinte e um,
dessublimações, falsa anunciação
que lhe afunda em soul, sexo e melancolia.
(leia também na revista Mallarmargens)

sábado, 8 de setembro de 2012

o poeta do Castelo - Manuel Bandeira



Documentário sobre Manuel Bandeira, feito em 1959, no Rio de Janeiro.



Gênero: Documentário
Diretor: Joaquim Pedro de Andrade
Elenco: Manuel Bandeira
Ano: 1959
Duração: 10 min
Cor: P&B
Bitola: 35mm
País: Brasil

concerto

(Pierrete, tela de Di Cavalcanti, 1922)




ela me sorri  como se nada, longos
cabelos, crina onde se encrespa
o meu desejo no delírio de morfina
das imagens da natureza, ela parece
não sentir a vertigem de tudo,
ao fundo a gravura de um adolescente
com asas, partem de seu sexo raios
em todas as direções, não dos olhos
ou do peito, e ainda espreito, mudo,
alguém  que tenha a alma sutil
no cubículo do mundo, na volúpia
dos ardis ela desabilita o sentido
que, desfeito, espera no meio do salto
mortal ser salvo no último segundo
enquanto ela me sorri como se nada

 



[em itálico, samplers do poema Pierrete, de Manuel Bandeira]
(por Nuno Rau)


também em Mallarmargens

retorno ao inferno interminável






você desce ao inferno
de escada rolante e ele está cheio
de meninas louras falando línguas
estranhas, elas
têm bocas que você gostaria
de desejar com qualquer tipo
de sinceridade,
com a pureza que o desejo
esqueceu ao lado do cinzeiro
no motel de quinta da rodovia
quando saiu batido, você erra
pelos corredores do inferno e descobre
mais escadas, mais corredores e não sabe
se são vitrines ou quartos escuros
estas cavernas em que as meninas
exibem sua penugem de água
oxigenada e seus sorrisos
de propaganda enquanto você
se sente a sombra deambulando
na galeria de luzes
feéricas, artificiais e o real segue cifrado
em bits no sistema servidor
central, ligado
por cabos ao caixa, você
não tem nenhum trabalho pra descer
ao inferno, ele se abriu
como um útero quente, como um buraco
molhado e pulsando por onde
seu corpo escorrega, você
está fodido, e ela não tinha
um girassol nas mãos, o girassol
estava escrito no ventre com pétalas
excessivamente amarelas enquanto no ombro
uma petúnia ameaçava
com um perfume doentio o resto
da sua vida e o mundo
girava perdido como um grafitti no meio
daquelas omoplatas.



(por Nuno Rau)


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