Pra quem conhece pouco do som e da proposta d"Os Mulheres Negras, aqui vai um presente. Iguaria pura, ambrosia.
quarta-feira, 29 de agosto de 2012
Os Mulheres Negras 2
Pra quem conhece pouco do som e da proposta d"Os Mulheres Negras, aqui vai um presente. Iguaria pura, ambrosia.
Os Mulheres Negras (fragmentos de um show)
A terceira menor big-band do mundo, em visita a um palco carioca em 23 de agosto de 2012. Impressiona como Os Mulheres Negras (Maurício Pereira e André Abujamra) sustentam a mesma atualidade, a mesma sensação de que algo se move no presente.
Neste módulo as sensacionais "Feridas" e "Imbarueri".
A seguir uma versão de "Feridas" no mesmo show, à beira do palco:
Abrindo este módulo temos Gambé, depois "Rise" e no fechamento Porquá Mecê:
E como "Rise" também merece uma versão mais bem filmada, segue o vídeo abaixo, também à beira do palco:
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
Visita de Andréia Carvalho Gavita
Nos poemas de Andréia Carvalho Gavita sempre gravitam mitologias - é por essa via que ela se aproxima do mundo e o reinterpreta em sinais. Ou seja, entre você e o mundo, o mito se ergue como a possibilidade do significado. Existem avisos que iludem, como aquele na entrada de Auschiwitz - "Arbeit macht frei" (o trabalho liberta). E os avisos que dizem um caminho, como no pórtico, na antecâmara de seu blog - Hábito Escarlate - está escrito: "o antigo costume de vestir-se com palavras vermelhas e caminhar pelo branco". No antigo templo de Delfos podia-se ler a inscrição: "te advirto, oh tu, que desejas sondar os mistérios da natureza: como esperas encontrar outras excelências se ignoras as excelências de tua própria casa? Em ti está oculto o tesouro dos tesouros. Oh, homem! Conhece-te a ti mesmo, e conhecerás o Universo e os deuses." Daí o vestir-se de palavras vermelhas, tornar-se o rubro, arder e assim desenhar no caminho branco os sentidos possíveis, a partir de si mesma, ligados à vida, reelaborando mitos, redesenhando o existir no mundo talvez em ruínas.
(os dois poemas abaixo podem ser lidos também no blog de Andreia - Hábito Escarlate )
Lingua Ferina
os leões rugem e me mergulho
na órbita daquele aviso
não entrarás
rugidos partem meu escafandro
e me sufoco
no sumo daquela euforia
e me debato
nos átomos de carbono
não acidificarás
e me respiro
entrando
sou um leão alado
no dorso
pêlo cio de archotes
lança chama,
a cabeleira neutra
imersa no vôo que me ruge
escrevo
uma vírgula
insurreta
pendente da boca do felino
Screen Saver
a mãe
esverdeada
apagava a luz
com seu parto escuro
na trava das portas
aguardava
temor-esperança
a dança dos espectros
abaixo da cama
a infância perpétua
os entes sem avós,
sem batismo, sem eu
o mar de campânulas
com seres de lugar nenhum
soava dentro da harmonia negra
abafando a metálica
voz
da catedral
sempre exorcizada
mãe, fantasmas,
e o combustível
do espetacular
no limbo do sono reparador
o dia, apenas uma metáfora luminosa
no olho do grito fechado
Marcadores:
Andréia Carvalho Gavita,
Mallarmargens,
visitante
mandala
Como um cachorro amarrado a um poste
por seu dono, como um cachorro preso
à trilha circular onde há um mesmo
rolar das horas até que o estoque
do tempo esgote, no fim, pulando casas
como um dado fadado a uma roleta
já viciada, assim como a cabeça
na vertigem de orbitar desusadas
trilhas, pela emoção mortal do salto
no abismo, e como se ainda voltando
a de novo saltar e ali querer, nos
círculos infinitos (quando calmo),
apagar o sentido dispersando
quintessências no quinto dos infernos.
(por Nuno Rau)
LA VÍSPERA / A VÉSPERA (Jorge Luis Borges)
LA VÍSPERA
Millares de partículas de
arena,
ríos que ignoran el reposo,
nieve
más delicada que una sombra,
leve
sombra de una hoja, la serena
margen del mar, la momentánea
espuma,
los antiguos caminos del
bisonte
y de la flecha fiel, un
horizonte
y otro, los tabacales y la
bruma,
la cumbre, los tranquilos
minerales,
el Orinoco, el intrincado
juego
que urden la tierra, el agua,
el aire, el fuego,
las leguas de sumisos
animales,
apartarán tu mano de la mía,
pero también la noche, el
alba, el día…
(in La Moneda de Hierro, 1976, do volume Obra Poética, 3ª edição - Buenos Aires: Emecé, 2010 )
A VÉSPERA
Milhares de partículas de areia,
rios que ignoram o repouso, neve
mais delicada que uma sombra, leve
sombra de uma folhagem, a serena
margem do mar, a momentânea espuma,
os antigos caminhos do bisonte
e da flecha fiel, um horizonte
e outro, os campos de tabaco e a bruma,
o cume, os tranquilos minerais,
o Orinoco, o intrincado jogo
que urdem a terra, a água, o ar, o fogo,
as léguas de submissos animais,
vão separar sua mão da minha mão,
e a noite, a aurora, o dia também vão.
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
Michel Foucault e a origem da poesia ou: que se dane a caçuleta, eu quero é rosetar!
“Falando a respeito da poesia,
sempre na Gaia Ciência, Nietzsche
afirma haver quem procure a origem [Ursprung]
da poesia, quando na verdade não há Ursprung
da poesia, há somente uma invenção da poesia. Um dia alguém teve a idéia
bastante curiosa de utilizar um certo número de propriedades rítmicas ou
musicais da linguagem para falar, para impor suas palavras, para estabelecer
através de suas palavras uma certa relação de poder sobre os outros. Também a
poesia foi inventada ou fabricada.”
“A invenção [Erfindung] para Nietzsche é, por um lado, uma ruptura, por outro,
algo que possui um pequeno começo, baixo, mesquinho, inconfessável. Este é o
ponto crucial da Erfindung. Foi por
obscuras relações de poder que a poesia foi inventada. Foi igualmente por puras
obscuras relações de poder que a religião foi inventada. Vilania portanto de
todos esses começos quando são opostos à solenidade da origem tal como é vista
pelos filósofos.O historiador não deve temer as mesquinharias, pois é de
mesquinharia em mesquinharia, de pequena em pequena coisa, que finalmente as
grandes coisas se formaram. À solenidade da origem, é necessário opor, em bom
método histórico, a pequenez meticulosa e inconfessável dessas fabricações,
dessas invenções.”
Michel Foucault em “A verdade e as formas jurídicas”
(tradução de Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais)
domingo, 19 de agosto de 2012
Visita de Viktor Schuldtt
Desastres de Guerra (1810-1815) - Goya
Pareço estar diante de uma
escrita coberta, ao mesmo tempo, de negatividade e afirmação. Negatividade
porque não consigo ler os poemas de Viktor sem que me ocorram palavras como “impossibilidade”,
“sem saída”, “impasse”, “trágico”; e afirmação porque promove uma vertigem da
linguagem e das sensações, e a percepção de que entre a coisa e a representação
pode não haver uma fenda tão grande, tão intransponível. Como disse Barthes, “a expressividade é um mito, ela nada mais é
do que a convenção da expressividade.” E eis que nos poemas de Viktor,
assim me parece, o que se assemelha à busca de uma expressividade é, incauto leitor,
um salto para além dela, uma tentativa de, nesse salto, furar a camada (desconhecida)
que separa as coisas das palavras, o acontecimento de seu relato, sua
interpretação.
Como todos os comentários que
posto aqui no Musas, este é um relato pessoal de leitura, uma aproximação, e
não é (nem pretenderia ser) um texto teórico no sentido convencional da palavra.
Como leitor, busquei nestas notas breves compartilhar com quem, por meio delas,
entrar em contato com a vigorosa poesia de Viktor Schuldtt, algumas das
impressões e reflexões que esses versos inquietos me causam. Obrigado ao Viktor
por visitar nosso bangalô virtual, mas que mesmo sendo virtual quer, em sua
utopia, transpiração, sangue correndo nas veias, calor, integração e tudo que
for humano.
Para quem ainda não conhece, visitem o blog de Viktor Schuldtt, o Vade Mecum.
________________________________________________________________________________
XXXVII
Reconstrução (da
guerra) após desmembrar no corpo da batalha
“sem remontar a – simular – um real fixo
constrói o teatro
móvel de seu movimento,”
Julia
Kristeva
Oblação:
negróide-átomo em negociata intensa (desenlaça a maternidade e os fios de
algodão de que se compõe) – frêmitos do novilho-lunar ulceram na acidez da
cafeína: filhotes se desgarram (caem) diamantes lascados por uma metralha de
dentadas – a manhã começa sempre oblíqua (belicosas unhas) tingida por aviões –
o pescoço como o general que exibe medalhas em fitas azuis de cetim guarda o
arranhão da prostituta e a lembrança de sua manhosa teia de conhaque
A
face do texto se divide – corpos sonoros (cabelos-de-olhos humanos): criaturas
se erguem como dádivas escarradas nas chuvas grossas língua-feto transmutar-atômico
Espelho
mágico (anti-espelho): gravidez de mares – medusas – onde nascem (na
concavidade uterina sob as rochas e as conchas) o peixe-presente – gota
estilhaçada e deformada por mil espelhismos – desmanchável em pipas coloridas
E queria fazer do vento a droga
(pílula branca que se dissolve na garganta molhada – luzes) que incentiva a
distensão muscular sobre o asfalto: sair dos cobertores familiares como se
fossem um submarino que não funciona e nadar e
nadar
O encouraçado entretanto era apenas
uma cabeça a mais na fera quixotesca – tal eram os espinhos que vergavam na
pele vindos de todas direções – em movimento a pomba-interfront que leva numa
cápsula presa à pata o relatório que evidencia esqueletos descarnados sob
bombas do pelotão
A
necrópole age como imã assim como cresce a catedral barroca e todas suas
figuras rugem ao mesmo tempo e rasgam toda possibilidade da carne sangrar além
da órbita trespassada somente por pássaros alterados geneticamente (quem visse
empalideceria como se acordasse por acaso no acolchoado de asas angelicais) –
este sussurro divergiria do conhecido susto de acordar imerso na enxaqueca
(pirâmide de gralhas sobre o corpo) esquecido das grutas das mãos das violações
Mas o personagem aqui focado só
podia deixar o leite escorrer da peça de louça branca carregada de esperma –
jazigos imensos retiam na sombra inchada pelo dossel de lírios o frio e a
umidade da elástica carne do sapo – era na atmosfera
desta manga suculenta ao drenar saliva que anjos nacarados choravam sobre os
túmulos (e como podem vísceras míticas lacerarem em pranto a pureza absurda –
impossível saber) e entre lágrimas de fuligem e fios de telefone vistos atrás
do muro do cemitério (sobre a cidade) os manuscritos perseguiam vozes e mais
vozes como as tosses inesperadas que brotam entre as ondas do conciso mar de
uma sinfonia: projetar da peste sobre o jardim planificado
Só então soube – a morte não estava
ali
Pomba
apreendida no ar: enchente do tumor que mata este vidro agudo na
impossibilidade de ser extraído
Olhos
fechados – tato
O
intelectual agora se debruça sobre o pergaminho e ajeita a pena molhada como
peito de criança solta no temporal carregado da lascívia do mundo – os pingos
negros (pegadas de lobos enrugando o areal branco) conduzem a um labirinto
incólume de dedos humanos – a auréola de calor se intensifica no teto da vela
expulsando o bafo de agulhas-luminescentes – um jasmim secreto cresce no
interior da neve (membranas de visco que se acrescentam dentro do pulmão formando
uma pedra de jade de múltiplas folhas) tocar este florir é introver – deflorar:
o intelectual é a escuridão que o afaga irracionalmente: fecha os olhos e tosse
seus passos escritos
O Tratado da Visão
Intro-externa
A
punção da áspide (copo aderente na forma de Â-
nus
que vertido devora o dentro-fora argênteo-brilhoso da escuma-de-sangue
acumulada em torno da íris) dilata – rare
faz
Sol-sensório
inchaço de mamilos picados
em surdez aguda (rocio de a-
lho derramado sobre pele
ocrescuro do bife – frita)
O
colo da água carregada num grito de vento choca-
se
inteira e fechada na posição do olho ferido pelo sal – quebra-se a alva
videira-chapada do ovo (fábula do ver) e no desespero condensado atrás das
pálpebras tudo é uma dor maior de mariposa que queima perdida no dédalo
florífero de chispas do palmital
As
peles se ramificam na azul piscina cegamente horizontal: garotos se infiltram
entre as costelas do congestionamento dentes cariados e movimentos espertos de
felino ou víboras num bananal edificam a fulva estátua da infância rasgada e
assim cor
re
o tempo antes nos metais que se acariciam e impregnam de força que no relógio e
a argamassa busca arestas para rastejar continuamente murmúrios nas veias da
madeira (cremalheiras erguem criptas) – olha de fora num alheamento de fera
farta uma face gotejante de gordura que se dissolve em colírios sobre uma
murada de bar
Queima
feno nas dobras articuláveis da música assim como o alimento se autogera
tocando as uvas temporais para gerar ainda no útero vivo o fogo livre
Engasgado
o céu desse conhecimento nodoso e liso feito para asas que são vistas e
evaporam as fênix lilases se banham nas sombras ao voar respingam sêmen de
petróleo sob o luar peçonhento das entranhas criadoras e além do trigo dessa
cegueira viceja o recomeço no outro vértice do não-ver
Pousa
acordado com plantas-coisas evanescentes – duráveis
Marcadores:
Mallarmargens,
Viktor Schuldtt,
visitante
Assinar:
Postagens (Atom)